Presidente da Rede Global de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, Jeffrey Sachs destaca a importância da difusão do conhecimento para uma melhor convivência no mundo multipolar.

 

Por Rafael Amorim

As palavras de uma das vozes mais influentes sobre desenvolvimento sustentável ecoaram forte no público presente à Aula Magistral do economista norte-americano Jeffrey D. Sachs na PUC-Rio. A uma plateia de alunos, professores, pesquisadores e convidados – como o Vice-Presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), José Alfredo Graça Lima, e a pneumologista Margareth Dalcolmo -, o diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia e presidente da Rede Global de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (SDSN) destacou a potência da educação no mundo multipolar.

Jeffrey Sachs na esquerda, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., ao centro, e José Alfredo Graça Lima na direita. (Foto: Matheus Santos)

Jeffrey Sachs na esquerda, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., ao centro, e José Alfredo Graça Lima na direita. (Foto: Matheus Santos)

Sachs afirma que o planeta entrou em uma nova era no século XXI, com a transformação da ordem global para a multipolaridade. Segundo o economista, esse processo se iniciou nas viagens de Cabral, Colombo, Vespúcio e Vasco da Gama, na década de 1490, quando conectaram o mundo de uma forma que nunca havia sido vista antes. Para ele, a partir dessa conexão, seria possível ajudar a atender as necessidades de outras partes do mundo e gerar um equilíbrio de forças, em que todas as nações viveriam juntas em um cenário de igualdade. Essa sociedade mais justa e igualitária, afirma, só seria alcançável através da difusão plural do conhecimento.

A valorização do papel das universidades no desenvolvimento de indivíduos capazes de buscar soluções globais para os problemas complexos dos nossos tempos é tema caro para Sachs.

“Esse é um papel único das universidades no mundo. Deveríamos disseminar conhecimento. O objetivo do conhecimento é disseminar. Ele não deve ser mantido como patentes e propriedade privada. Não queremos que a ciência seja patenteada. (…) Às vezes, nossos políticos ou os chamados estrategistas pensam diferente. Eles acham que poder é a essência, mas poder, claro, não é a essência. Não buscamos poder, buscamos bem-estar. E acho que esse é o ponto mais importante, e as universidades desempenham esse papel.”

Só que ter o domínio da teoria, ressalva, não é suficiente para compreender os desafios que o mundo enfrenta, como as mudanças climáticas e a transição energética. Ele acredita que a sociedade precisa estar preparada para atender várias necessidades e critérios na ética social, nos domínios ecológicos, econômicos e geopolíticos. Segundo o economista, é fundamental aprender e colocar o conhecimento teórico em prática, com o objetivo de desenvolver habilidades para resolução de problemas que não são simples.

“ Descobri, em 40 anos de trabalho com problemas práticos, que não há como entender um problema prático apenas no nível teórico. É impossível. A teoria é essencial. Mas no dia em que você começa a aplicar a teoria, percebe as primeiras restrições nas quais nunca pensou e que não estão naquele artigo que você acabou de ler e que não têm nada a ver com o que você pensa.”

Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J. (Foto: Matheus Santos)

Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J. (Foto: Matheus Santos)

A urgência de iniciativas também foi reforçada pelo reitor da Universidade, Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., que lembrou o compromisso com os valores e princípios da encíclica Laudato Si’. A Aula Magistral ministrada por Jeffrey Sachs faz parte da jornada Amazonizar PUC-Rio, metaprojeto que busca contribuir para uma sociedade mais justa, tanto na perspectiva social como na ambiental. Antes da palestra, Sachs participou da inauguração de um novo espaço na universidade, a Casa Comum – Estação de Ecologia Integral, que articula a atuação socioambiental e comunitária da PUC-Rio. Juntos, plantaram uma seringueira.

“Francisco nos deixou recentemente. Mas ele também deixou tarefas. Uma das tarefas mais importantes é o nosso compromisso com a crise climática, a busca por soluções. Ele deixou esta metáfora, a Casa Comum, que é o nosso planeta. Devemos destruir muros, construir pontes, disse ele. Temos um metaprojeto. O metaprojeto é o projeto de projetos, uma plataforma de projetos chamada Amazonizar. O Amazonizar é acolher o Jeffrey Sachs, é organizar nossas esperanças, é a PUC-Rio tomando uma posição no mundo de forma muito concreta. Temos projetos, temos ciência”, afirmou o reitor.

O legado do Papa Francisco também foi lembrado por Sachs, ao mencionar a importância das duas grandes encíclicas de seu pontificado para o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. De acordo com o economista, a Laudato Sí’ é uma referência no tratamento sobre a humanidade e a natureza por fornecer uma reflexão teológica, filosófica, biológica, ética e sobre a necessidade de os seres humanos serem administradores, e não donos da Terra. Já a Fratelli Tutti, segunda grande encíclica de Francisco, representa uma visão geral sobre o diálogo e o encontro para construir um mundo mais pacífico e fraterno.

A desigualdade, para Sachs, não é apenas moralmente insustentável, mas também inviável na prática por levar a grandes dificuldades em termos de vulnerabilidade social. Por isso, incentiva que os países invistam na educação, a fim de garantir um mundo mais igualitário, em que o bem comum se torne prioridade.

“A educação e o estado de bem-estar social são dois elementos absolutamente essenciais. E a terceira é a ética social, ajudando a entender por que todos nos beneficiamos de uma sociedade e um mundo mais igualitários. Isso é uma questão de ética, é uma questão de entender o que é o bem comum. Não consigo, mas estou tentando há décadas fazer com que isso passe pela cabeça dos líderes americanos. O avanço da China é bom para nós, não é ruim. É isso que precisa ser entendido: o avanço dos outros não é uma desvantagem para você, é um benefício.”

Jeffrey Sachs e Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., juntos, plantaram uma seringueira. (Foto: Matheus Santos)

Jeffrey Sachs e Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J., juntos, plantaram uma seringueira. (Foto: Matheus Santos)

Sachs ressaltou o papel do Brasil como um ponto de convergência na agenda ambiental. Segundo o professor, não é coincidência que o país, em um período de 12 meses, tenha assumido a presidência rotativa do G20, vai presidir a Cúpula do Brics em julho deste ano e será o anfitrião da COP30 em novembro. As responsabilidades e capacidades do Brasil são muito altas, principalmente, por ser o lar da maior biodiversidade do planeta e de ter parte substancial da Amazônia, afirmou. Com isso, o país já tem, naturalmente, forte influência nos debates mundiais sobre sustentabilidade. Contudo, sediar a conferência mais importante sobre o clima, a principal reunião dos países que criam o novo mundo multipolar e o encontro das maiores economias do mundo evidencia o potencial do Brasil de ser protagonista no desenvolvimento sustentável.

“O Brasil, obviamente, precisa assumir a liderança na América do Sul, porque não há outro país que chegue perto da escala e das possibilidades de liderança do Brasil, então o país representa basicamente essa região em todo o mundo. (…) De certa forma, é um dos pontos de convergência notáveis ​​da agenda global. Esta é uma das culturas e sociedades mais complexas do mundo, porque, claro, é uma fusão de muitos povos, muitas raças, muitas histórias e muitas raízes. É também o centro mundial da biodiversidade, que lutamos para preservar em um mundo que não está organizado para defendê-la, reconhecê-la ou compreendê-la.”

Sachs assegurou que, mesmo que o Brasil consiga orientar as suas políticas internas para um caminho de sustentabilidade, não será suficiente para solucionar as causas ambientais. Segundo ele, os esforços precisam ser coletivos com a cooperação de cada país na proteção da natureza, da qual a sobrevivência da espécie humana depende. De acordo com o economista, um dos principais obstáculos para garantir o modelo de desenvolvimento sustentável são os conflitos geopolíticos globais que colocam em risco o rebalanceamento e a paz do planeta. Isso fica ainda mais perigoso com o avanço da tecnologia e, consequentemente, da criação de armas nucleares.

“Nós precisamos aprender a viver em um mundo multipolar. A diferença do nosso mundo de hoje em relação a outros períodos de multipolaridade é que, desta vez, há armas nucleares em todas as principais regiões poderosas. Armas que podem destruir o mundo, caso falhemos em fazer o certo. Esta é a realidade prática e moral mais significativa do nosso tempo. Nós continuamos com um desafio profundo de como governar a humanidade global, sabendo que os tipos de falhas e acidentes do passado não vão ser somente falhas históricas de guerras trágicas, mas podem ser o fim da humanidade. Então, é melhor acertarmos nisso de uma forma que não fizemos no passado.”

Público presente à Aula Magistral do economista norte-americano Jeffrey Sachs na PUC-Rio. (Foto: Matheus Santos)

Público presente à Aula Magistral do economista norte-americano Jeffrey Sachs na PUC-Rio. (Foto: Matheus Santos)